quinta-feira, 26 de abril de 2007

2 bolas de leite ninho por favor!


Eu moro no centro.
Eu moro no centro desde que nasci.
Eu moro no centro e acho que aqui é terra de ninguém.
Eu moro no centro e já vi ele passar por várias transformações.
Eu moro no centro e há poucas coisas do que se orgulhar por aqui.


Eu moro no centro e não preciso ir longe para comprar nada.
Eu moro no centro e nunca, nunca atendo o celular na rua.
Eu moro no centro e tenho condução pra qualquer lugar de São Paulo.
Eu moro no centro e não é muito bom chegar muito tarde por aqui.


Eu moro no centro e tá sempre uma bagunça.
Eu moro no centro e tem lixo por todo lado.
Eu moro no centro e parece que tem pelo menos uma pessoa de cada país do planeta aqui.
Eu moro no centro e muitas vezes queria que eles voltessem pro país de origem deles.
Eu moro no centro e a violência aqui é comum.


Eu moro no centro e abriu uma sorveteria há pouco tempo aqui.
Ela fica na Rua Bento Freitas.
Eu não lembro o número.
Eu moro no centro e quase todo dia eu vou até lá e peço:
Oi, eu quero 2 bolas de leite ninho por favor!

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Na poltrona perto da janela


Eu estava no meio de um texto ontem quando quatro dos meus filhotes entraram correndo e gritando pelo escritório, eram as quatro "evas" como a gente diz aqui em casa, porque ainda faltam dois, mas esses são os "adãos"...

-Mãe deixa a gente desenhar na parede do nosso quarto!!!
-Deixa mãe!!
-Vai mãe a gente já sabe até o que quer desenhar.
-Eu prometo que a gente não suja nada!
-!!!!!!!!!!
-!!!!!!
-!!!

Assim que eu tive chance de responder pensei bem e disse sim, mas com uma condição:
-Todas tem que concordar com o desenho tá bom?
-Não mãe, cada uma vai ficar com uma parede e fazer um diferente.

Tudo bem, não gosto de dizer não às expressões artísticas delas.
Mal tinha eu voltado pro meu trabalho quando ouvi uma gritaria, um tal de não é justo, eu escolhi primeiro, você chegou depois, vou chamar a mamãe...
-Mããããeeeeee, manhêêê!!!!!

Claro que elas iam acabar brigando, o quarto tem quatro paredes mas uma é quase toda ocupada pelo guarda-roupa, não sobra muito espaço pro desenho. E também é claro que quem ficou sem parede foi a Luna, ela nunca corre como as outras, é tão serena... Quando ela chegou no quarto só sobrou aquela parede do guarda-roupa pra ela tadinha.

Comecei a argumentar e pedir pra elas dividirem melhor o espaço porque realmente não era justo, sugeri que elas desenhassem um pouco em cada parede mas elas alegaram que a arte delas é muito individual (tentei me lembrar de quando falei isso e uma delas ouviu pra estar repetindo pra mim como desculpa agora), não teve jeito, o jeito era vetar todo o projeto mas a Nina (a mais velha dos 6 que vieram de uma vez) teve uma idéia:
-Dá o teto pra Luna então mãe!

As outras começaram a rir, a Luna começou a chorar...
-Ah mãe...
-Filha é uma boa idéia, você desenha primeiro no papel, depois a gente pega a escada e eu te ajudo, quer? - Eu não achaava a idéia tão boa assim mas não custava nada tentar.
-Não mãe..... não.... ah mãe... o teto é muito alto eu nunca vou conseguir alcançar!!!
-Que nada sua boba, a única coisa que é alto e a gente não alcança é o céu, né mãe?
-É Mel...

A Luna olhou pela janela e deu um suspiro, eu achei que ela fosse começar a chorar de novo, mas os olinhos dela estavam brilhando de felicidade, ela perdeu o fôlego por um instante, olhou pra mim esperançosa e pediu:
-Mãe, eu não quero o teto, posso ficar com o céu?

As outras três olharam pra mim esperando a resposta meio espantadas com o pedido:
-Pode filha, o céu é seu.

Saí de lá e a Luna ficou parada no meio do quarto olhando a janela enquanto as três preparavam as coisas pra começar a desenhar, ainda deu tempo de ouvir a Mel falando pra ela:
-Como você é tonta, eu prefiro o teto, você nunca vai conseguir desenhar no céu.
-Eu não me importo.

Sentei na frente do computador pra continuar a escrever e a algazarra começou, só pararam quando realmente se concentraram nos desenhos, aí a Luna entrou devagarinho sem fazer barulho, sentou na poltrona perto da janela e ali ficou quietinha, olhando o céu que agora era dela. Por muito tempo ela permaneceu ali e quando o sono foi batendo ela falou baixinho:
-Obrigada mãe pelo céu...

domingo, 22 de abril de 2007

Sem vantagem


-Manhê! Qual o nome daquele negócio que tinha na sua época que você colocava um papel e outra pessoa recebia outro papel em outro lugar?
-O quê? Fax?
-Isso!
-Por que a pergunta?
-Tenho que fazer uma redação que tenha umas velharias sabe...
-Obrigada pela parte que me toca.
-Ah mãe pára vai, você entendeu.

-Oh mãe o que mais tinha que não tem mais?
-Nossa é tanta coisa, deixa eu ver... Na minha época tinha bip.
-E isso faz o quê?
-Era um aparelinho que recebia mensagens de texto.
-Celular?
-Não filho, não dava pra falar nele, só pra ler as mensagens de texto.
-Muito mais fácil usar o celular direto então...
-Mas não tinha ainda.
-Mãe!!!! Na sua época não tinha celular!
-Mais tarde apareceu filho, mas era diferente.
-Diferente como?
-Ainda não tiravam fotos, não filmavam, não tocavam músicas... essas coisas...
-E como é que se fazia essas coisas então?

-As fotos a gente tirava com máquinas.
-Mas eu pensei que as máquinas tinham vindo depois.
-As digitais sim, antes eram máquinas com filme, a gente colocava o rolo de filme, batia as fotos depois mandava revelar.
-Nossa quanto trabalho!
-Na época a gente não pensava assim.

-E música mãe?
-A gente tinha walkmans.
-???
-Tocava rádio e dava pra ouvir fita.
-Que fita?
-Eram fitas que tocavam músicas.
-Mas e aqueles cd's?
-Vieram muito depois, a gente ouvia no discman.
-Eu sou mais o meu mp7.
-Eu também filho, eu também.

-Que mais mãe?
-Jornal era preto e branco, orelhão funcionava com uma ficha, vôlei tinha vantagem...
-Vantagem?
-É. Antes de fazer o ponto a equipe precisava marcar a vantagem, quem estava com a vantagem podia fazer o ponto.
-E a outra equipe?
-Recuperava a vantagem e aí sim podia fazer o ponto. Muitas vezes eles ficaram horas jogando só pela vantagem que ia de um pra outro até fazer o ponto.
-Não vejo vantagem nenhuma.
-Nem eu amor, nem eu.

-Nossa mãe, não tem nada que continua igual?
-Tem claro que tem. A Xuxa continua apresentando programa infantil, o Romário ainda joga futebol e o Faustão e o Gugu ainda brigam pela audiência dos domingos.
-Ainda bem que eu não nasci antes, era tudo muito complicado.
-Pelo menos tem bastante coisa pra você colocar na sua redação.
-Pelo menos isso né. Mas não vou colocar esse negócio de vantagem não, achei muito chato e não to vendo vantagem nenhuma nessa sua época mãe, sou muito mais agora!
-Eu também amor, eu também!